Desta vez pela boca do próprio líder, a UNITA insiste (em termos teóricos porque, na prática e como de costume, vai ser como o MPLA quiser) que a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, marcadas para 2020, devem realizar-se em simultâneo em todo o país e não de forma gradual, como defende o Governo angolano.
Isaías Samakuva, lembra que as autarquias “até já existem” e que as pessoas “estão lá”. “Ninguém deve ter medo das autarquias. As autarquias locais são um factor imprescindível para o desenvolvimento harmonioso do país, são parceiras do Governo, não adversárias. Mas, se houver receios, que nos digam. Vamos conversar, mas não prejudiquemos o povo”, defende o líder da UNITA.
O Governo liderado (como acontece desde 1975) pelo MPLA de João Lourenço, propôs inicialmente que as primeiras eleições autárquicas no país se desenrolassem em quatro fases, começando num primeiro grupo de municípios em 2020, estendendo-se o processo de cinco em cinco anos, terminando em 2035.
No discurso sobre o estado da Nação, João Lourenço admitiu baixar esse tempo para um período inferior a dez anos, proposta “saudada” por Samakuva que, porém, explicou que a UNITA continua a pensar de forma diferente, lembrado que não há eleitores de primeira nem de segunda. Era bom que não houvesse, mas há. Basta ver como está este país que há 43 anos é liderado pelo MPLA.
“Passados 43 anos da independência, os angolanos não podem aceitar […] que lhes seja reconhecida pelos seus concidadãos apenas capacidade eleitoral para eleger o Presidente da República e não a capacidade para eleger o Presidente da Câmara”, argumenta Samakuva, embora com pouca precisão analítica. Isto porque os angolanos não elegem o Presidente da República, elegem – isso sim – um partido cujo cabeça-de-lista será depois o Presidente. Não, portanto, eleição nominal do líder da nação.
“Assim como o Estado está capacitado para exercer a soberania nacional sobre a totalidade do território desde 1975, assim também os cidadãos membros das autarquias estão capacitados para exercer o poder autárquico na totalidade do território nacional desde 1975”, acrescenta Samakuva.
Para a UNITA, a intenção do Governo angolano em querer estender as eleições autárquicas não se deve a incapacidades organizativa, governativa ou financeira: “As autarquias está lá, já existem. A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) tem capacidade instalada em todos os 164 municípios, onde costuma organizar eleições gerais. Também não se trata de incapacidade financeira, porque Angola tem dinheiro suficiente para implementar as autarquias locais em 2020 em todos os municípios do país”.
Segundo Samakuva, a estratégia subjacente à proposta governamental não vem de agora, mas sim do regime do ex-presidente José Eduardo dos Santos, que o actual MPLA mantém, de “não reconhecer todos os angolanos com direitos iguais”, “bloquear, sabotar ou retardar a participação dos cidadãos por ele excluídos no processo democrático” e “impedir ou retardar a efectivação da descentralização administrativa do poder executivo do Estado”, prevista na Constituição desde 1992.
“O grande objectivo dessa estratégia do partido-Estado é permitir ao MPLA continuar a administrar o território da maior parte das autarquias sem se submeter à eleição. Pretende impedir nesses territórios a realização de eleições autárquicas em 2020 para que os seus sectários, nas vestes de administradores municipais, possam continuar em funções e receber os recursos públicos, sem fiscalização dos cidadãos eleitores”, afirma o líder da UNITA.
No entender de Samakuva, o MPLA “parece ter medo da democracia participativa”, uma vez que, disse, “só a aceita se estiver no poder”.
Brincar às autarquias, quer o MPLA
O processo de preparação para a prometida concretização de autarquias locais em Angola está em curso e poderá estar concluído até 2021, anunciou em 15 de Novembro de 2016, em Luanda o então vice-Presidente de Angola.
Manuel Vicente discursava na abertura do IV Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, uma organização do Ministério da Administração do Território, subordinado ao tema “Finanças Locais como Instrumento de Desenvolvimento Económico”.
Angola ainda não realizou as primeiras eleições autárquicas no país, perante as críticas da oposição, face à demora e ausência datas concretas. É claro que, também nesta matéria, a Oposição em “lato sensu” julga que Angola é aquilo que não é: um Estado de Direito Democrático.
Sobre o assunto, Manuel Vicente afirmou que o executivo aprovou o Plano Nacional Estratégico da Administração do Território (PLANEAT), que previa o apoio à implementação das autarquias locais no país, através da criação de instrumentos técnicos de apoio, que incluíam meios técnicos, humanos e financeiros e a institucionalização das autarquias locais.
Segundo Manuel Vicente, esse programa previa ainda o enquadramento das autoridades tradicionais no quadro da governação local.
“Deste modo, penso que o financiamento do poder local é uma pedra angular para o verdadeiro poder local autónomo do Estado ou do Governo central”, disse Manuel Vicente, sublinhando que o futuro do desenvolvimento de Angola passa também por aquilo que for feito em matéria local, nos domínios económico, social e cultural.
“Na realidade, a descentralização e desconcentração administrativas deverão constituir o elemento fundamental da nossa acção política e administrativa, a fim de conseguirmos atingir os patamares do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional”, afirmou.
O então vice-Presidente sublinhou que a administração centralizada e hierarquizada tem vindo paulatinamente a ser alterada para “uma administração descentralizada e heterogenia”.
Paulatinamente, dizia muito bem Manuel Vicente. E a esta velocidade paulatina, hoje cimentada por João Lourenço, é provável que daqui a mais uns 30 anos o regime consiga dar aos angolanos o que era esperado ter dado há dezenas de anos. Só por curiosidade recorde-se que, em Setembro de 2016, já Cabo Verde realizava as sétimas eleições autárquicas desde 1991.
“Este processo exige que sejam adoptadas medidas de transparência e harmonização de competências, poderes, responsabilidades e recursos do Governo central para as entidades locais, que representam os interesses específicos das populações”, frisou Manuel Vicente como se tivesse descoberto a pólvora.
Acrescentou que o processo de descentralização constitui um aprofundamento da democracia, permitindo que determinadas necessidades colectivas sejam resolvidas de forma mais próxima das populações.
Manuel Vicente admitiu que é necessário os municípios serem dotados “de vida, na verdadeira acepção da palavra”, para a solução dos seus problemas e satisfação das necessidades das populações.
“Nesse sentido, temos de alocar recursos adequados e proporcionais aos mesmos, para que os órgãos locais desempenhem com propriedade as suas competências”, disse Manuel Vicente.
Promessas para matumbos
Retrocedamos, entretanto, a Junho de 2015. A realização das primeiras eleições autárquicas em Angola vai ser antecedida, já este ano (2015), pela elaboração de um diagnóstico sobre os recursos humanos do actual poder local e por uma delimitação territorial. Esta informação constava da resolução final da Assembleia Nacional com o plano de tarefas essenciais para realizar as eleições gerais de 2017, e as primeiras autárquicas, ainda sem data, proposta pelo MPLA, no poder desde 1975, e que incorporou propostas dos partidos da oposição.
No caso das autárquicas, esta resolução – além de passos para o registo eleitoral – previa a realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos humanos, financeiros e infra-estruturas necessárias às autarquias locais, a concluir “até Agosto de 2015”.
No segundo semestre de 2015 seria realizada a delimitação territorial, “definindo correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros elementos necessários”, lê-se na referida resolução, aprovada no Parlamento por unanimidade e publicada a 17 de Junho de 2015.
Neste último processo seriam definidos limites geográficos das circunscrições administrativas e autárquicas, fixados marcos geodésicos e placas identificativas dos limites territoriais, definida e clarificada a toponímia, além de atribuídos números de polícia a cada circunscrição territorial.
Igualmente nesse segundo semestre (2015), o Governo deveria avaliar o potencial de arrecadação de receitas pelos futuros municípios e adaptar a estrutura e funções do Orçamento Geral do Estado e a da Administração Fiscal para o efeito, além de fazer o levantamento do património imobiliário da administração local actual e decidir “sobre o património a transferir para as autarquias locais”.
A última das tarefas definida nesta resolução previa a promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das primeiras autárquicas, até Março de 2016, e sem referir datas, concluiu pela necessidade de “promoção de condições efectivas para convocação das Eleições Autárquicas”.
Autárquicas quando os donos do país quiserem
A 15 de Outubro de 2014, no seu habitual discurso anual sobre o estado da Nação, o então Presidente de Angola excluiu a realização das primeiras eleições autárquicas no país antes de 2017, ano em que se realizariam eleições gerais, advertindo que “é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”.
“Penso que devemos trabalhar de forma mais unida e coerente para a concretização deste grande desejo dos angolanos, ao invés de transformarmos este assunto em tema de controvérsia e de retórica político-partidária”, apontou José Eduardo dos Santos.
Nessa intervenção, o então chefe de Estado alertou que “são várias as questões” que os órgãos de soberania “têm que tratar até que sejam reunidas as condições necessárias para a criação das autarquias”.
“Penso que todos queremos dar passos firmes em frente para aprofundarmos o nosso processo democrático, mas é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”, afirmou, desafiando a Assembleia Nacional a clarificar um calendário para “depois passar à acção”.
Oposição queria autárquicas em… 2015
Já em 2014 a Oposição insistia que havia condições para que as eleições autárquicas fossem realizadas antes de 2017 e rejeitava os argumentos do presidente José Eduardo dos Santos que disse que provavelmente só em 2017 haverá condições para tal.
A UNITA, por exemplo, pensava que se houvesse vontade por parte do Presidente da República as autarquias poderiam ser uma realidade em 2015. Recorda-se Presidente Isaías Samakuva?
Com efeito, o então líder da bancada parlamentar do partido do Galo Negro, Raúl Danda, considerava que as razões avançadas por Eduardo dos Santos, como obstáculos, para a implementação das autarquias no país não fazem qualquer sentido.
“Como é que há dinheiro para se dar ao Banco Espírito Santo de Angola, 5.7 bilhões de dólares, do erário publico para generais que envergonham o país ao irem gastar lá fora, compram casas lá fora, onde encontram milhões de euros dentro de casa, milhões de euros e dólares para irem jogar batota lá fora, para se praticar tráfico de seres humanos e prostituição internacional e não há dinheiro para se realizar as autarquias? Só pode ser brincadeira”, disse.
Raúl Danda dizia ser difícil acreditar nas palavras do então presidente angolano: “O presidente José Eduardo dos Santos num momento diz uma coisa, noutro momento depois de ter dormido acordou e pensou bem e diz outra coisa. Isso é sinal que daqui a dois meses pode chegar à conclusão que este país não precisa de autarquias”.
“Com vontade política em 2015 nós podemos ter eleições autárquicas, porque não?”, concluía o então chefe da bancada parlamentar da UNITA.
Outro político que não fazia fé no pronunciamento de José Eduardo dos Santos foi Nelson Pestana, do Bloco Democrático, para quem “a Constituição é para ser aplicada e não para perguntar se isso é ou não realista e pragmático”.
“As autarquias são um imperativo constitucional, para serem implementadas e não para perguntar se são realistas ou pragmáticos”, acrescentou o político, lembrando que, em 2013, José Eduardo dos Santos no discurso sobre o estado da Nação “disse que não se pode mais pôr em causa a importância e a necessidade da implementação das autarquias”.
“Um ano depois vem dizer-nos que que não tinha pensado bem e que não levou em consideração uma série de pressupostos e que agora é realista e pragmático e acha que não se deve realizar antes de 2017!”, exclamava aquele dirigente do Bloco Democrático.
Folha 8 com Lusa